quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Interrogações e possibilidades

Fazer o que em São Paulo? Fazer o que em Nova Iorque? Fazer o que com o tempo? Fazer o que com o nascimento diário do sol? Fazer o que com as granadas se estilhaçando em fragmentos? Fazer o que, caso ela tenha o filho? Fazer o que, se acabar a luz? Fazer o que, se formos atacados por jaguatiricas? Fazer o que, se tudo voltar ao normal? Fazer o que com a comida estragando? Fazer o que com tudo o que aprendi? Fazer o que com as palavras? Fazer o que com a humanidade? Fazer o que com a cidade presenteada? Fazer o quecom a indiferença do que é verdade e mentira? Fazer o que para alguma coisa ter sentido?
Por que luto para conservar a minha vida? Por que tomar duas pílulas para dormir? Por que não me transformo num ponto entre o Céu e a Terra? Por que tudo isso aconteceu? Por que a velha não entrou em contato? Por que o puma não me atacou? Por que Stellinha dormiu com o pai da melhor amiga? Por que Martina abriu o seu corpo para mim? Por que fomos os escolhidos? Por que temer a morte? Por que temer a vida?
Talvez valesse a pena esperar. Talvez devêssemos ter filhos. Talvez encontrássemos uma cidade habitada. Talvez tenhamos morrido na caverna. Talvez eu não tenha câncer. Talvez devêssemos saltar de cidade em cidade, inconseqüentemente. Talvez o páraquedas não abrisse. Talvez valesse a pena viver. Talvez valesse a pena morrer Talvez eu me transforme num pequeno ponto entre o Céu e a Terra. Talvez a vida não fosse tão triste, nem tão repetitiva. Talvez eu ame Martina. Talvez eu ame Mário. Uma nuvem de poeira, flutuando entre o Céu e a Terra, entre a vida e a morte.
O saco é que eu pensava demais. Fazer o que se eu pensava tanto? Por que eu pensava tanto? Talvez eu não devesse pensar tanto. Talvez.

Trecho do livro Blecaute, de Marcelo Rubens Paiva

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